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quarta-feira, 13 de maio de 2009

Texto de Waldo Luís Viana -

Artur da Távola


Artur faleceu em 9/05/2008 e era um grande
amigo e mestre. A minha recordação e singela
homenagem...

ARTUR DA TÁVOLA

“Imagino Artur entrando no céu:
- Licença, seu moço...
Entra, Artur, você não precisa pedir licença.”

Parafraseando Manuel Bandeira

Waldo Luís Viana*


Conhecido por seu temperamento nervoso e irrequieto, o cantor e compositor Tim Maia, perto da morte, dizia a seus amigos:
– Quando eu morrer, vão me chamar de gênio!
E o vaticínio deu certo. Depois de passar pela vida, até os que não gostavam dele compreenderam naquele grande compositor o espírito do menestrel inesquecível. Dizem que a morte ressalta as virtudes e ajuda a lavar as feridas e os débitos contraídos com os outros.
O caso de Artur da Távola é diferente. Todos tinham por ele a percepção de consenso sobre o inegável e triunfante talento. Autor multimídia, cultor e protetor das artes e da música, escritor de escol e político de rara sensibilidade – Artur da Távola era querido do mesmo modo por homens, mulheres, velhos e jovens, correligionários e adversários, doce, nobre e educada figura da vida contemporânea brasileira, que a todos encantava pelo concerto de suas idéias, comentários e conselhos.
Não era da minha geração. Conheci-o pela internet, por acaso, quando comentou alguma algaravia literária minha – que sou inconveniente em avançar por meandros inauditos, talvez como penetra de festa enriquecida, mesmo vendo as pegadas dos melhores escritores.
Sou apenas esforçado, mas não é que ele me lia e comentava com atenção? Quando discordava, oh! discrepância suave, sem alarde, com aquele contentamento descontente que serviu a Camões, mas sempre de modo inciso e corajoso. Desassombrado era o meu amigo Artur! Sempre terno e meigo nas asseverações, que não era difícil de se apanhar, comovido, por entre os argumentos terçados.
Era imenso o prazer que mantinha no trato das palavras, remanso de consonâncias agudas e graves sobre a vida brasileira. Chamava-me a atenção quando eu errava ou era tendencioso em relação a algum político amigo seu. E quantos amigos recolheu entre políticos admirados, encantados por sua boa fé e conduta sem jactância. Orador desprendido, era incapaz de ofender adversários, mas sem querer, meio que a medo, lecionava para todos que respeitosamente o ouviam. Onde havia partidos, Artur plantava egrégoras!
Jamais deixava de sorrir com a frase espirituosa, encontrava o detalhe especial do cotidiano que alimentava os bons cronistas, sempre terminando os textos quando o leitor começava o próprio deleite e não ansiava pelo fim. Mas assim era o nosso Artur. Jornalista atilado, desvelando o véu das coisas sempre pelo lado bom e impedindo a condenação apressada que os venais descolorem nos panoramas.
Sua veia social-democrata destilava compaixão e a música lhe despertava a beatitude dos quase santos. Quando ouvia Mozart, Bach e Beethoven, fazia questão de demonstrar aos mais jovens que eles não mordiam, eram apenas seres normais que tiveram o privilégio de se aproximar de Deus. O seu bordão requintado sobre o prazer de ouvir música, que jamais nos deixará sozinhos, era o conselho de irmão mais velho para os que se deixam levar pelo desespero, o abandono e o desamparo.
Nesse mundo em desconcerto, Artur brindou-nos com o concerto do mundo. Mostrou-nos que harmonia, beleza e estética não precisam ser patrimônio das elites e de endinheirados esquisitos. E que a miséria do mundo está em não se conceder as oportunidades materiais e os privilégios espirituais aos mais fracos para que também se encantem.
Partiu Artur da Távola como viveu: como um passarinho. Sua chama se apagou por um chamado obsequioso de Deus, cuja contabilidade misteriosa e inefável nós desconhecemos. Sua obra permanecerá viva, entretanto, nos corações, bibliotecas, nos parlamentos e no ouvido do povo, que guardava silenciosamente suas belas crônicas, escritas com freqüência disciplinada nos grandes jornais.
Protetor das artes, Artur era um mecenas das melhores idéias, que, segundo Carlyle, são o ponto de inflexão e reflexão das grandes mentes. O corpo se esvai, mas a mente não se apaga, porque para nós, pobres mortais, se transforma em memória, e, para Deus, se recolhe em termos de imaginação.
Para mim, um pobre mortal, seu amigo e admirador, Artur deixou dedicatória, que os profissionais de Direito, que hoje, nesses tempos de agruras do Brasil estão em voga, me aconselhariam a guardar, pretextando ser bem “infungível”: “para o Waldo Luís Viana, alma de santo, coração de guerreiro, seu amigo Artur da Távola”.
Euclides da Cunha ensinava que é muito difícil se lidar com a saudade. Não é preciso a morte para sentir o gênio, como sonhava Tim Maia. Tom Jobim dizia que a inspiração vem de Deus e desce e aqui a gente estraga. No entanto, graças a Ele, em Artur a inspiração ficou intacta, numa gestalt eclética que muito poucos conseguiram alcançar.
Oh, meigo Artur, querido amigo, ensina-me a lidar com a saudade!

*Waldo Luís Viana é escritor, economista e poeta.
Teresópolis, 10 de maio de 2009.

Postado por Andréia Donadon Leal - Déia Leal